"Quanto ao nosso contato, será verbalmente indescritível. Nada haverá a ser
dito; tudo e de tudo será sentido. Corpos nus, almas despidas. O simples atrito
dos nossos corpos nos momentos de intimidade gerará fagulhas de infinito prazer
e plena satisfação. Porque quando meu desejo é indomável, entrego-me de corpo e
alma. Foi sempre assim. Fui sempre assim."
Estamos a sós, finalmente. Nossos
olhares se correspondem, dispensando palavras. Estabelecemos com eles
um acordo tácito de entrega mútua. Tiramos sem receio as vestes que cobrem nossos corpos ansiosos. A nudez
nos cai bem, e é o traje ideal para quando estamos a sós. Aproximamo-nos cada vez mais, e à medida que a distância diminui, o calor aumenta.
Nos tocamos dos pés à cabeça, e todos os nossos sentidos se mostram mais apurados que de costume. A visão nos permite
contemplar a nudez que se apresenta, a beleza das formas humanas. O olfato possibilita que eu perceba o cheiro da pele, que se mistura com o perfume que me embriaga. A audição permite a compreensão dos sussurros ao pé do ouvido. Palavras ousadas, diga-se de passagem, mas pertinentes à ocasião, já que dispensamos o pudor. É com o tato que desfrutamos de cada toque, de cada beijo, dos arrepios e até dos arranhões. Há ainda o paladar, provocado quando nossa língua almeja conhecer dos variados sabores do corpo alheio. Conjunção carnal e espiritual, peles
em atrito; nossos corpos dançam embolados, confundindo-se.
Agora entendo o que significa “ter química”. Juntos somos reagentes em
uma equação explosiva, liberando energia para o ambiente; energia esta
que escorre na forma de suor. É inverno lá fora, e os vidros se embaçam com o calor que emanamos. Ainda bem que lençóis não falam - são meras
testemunhas silentes dos nossos instintos mais selvagens.
Quando me coloquei no centro das minhas
divagações, outrora disse que “meu outro eu me persegue. Retorna,
periodicamente. Seu reflexo no espelho não corresponde à realidade: é mera
miragem no deserto de uma vida de enganos. A letra da canção é sábia: é
preferível ser, indubitavelmente, uma metamorfose ambulante, do que ter aquela
velha (e falsa) opinião formada sobre tudo.”
Anos se passaram desde então, e
incontáveis foram as mudanças que marcaram meu amadurecimento. Intensificaram-se
a partir do momento em que saí do seio familiar para me aventurar em outra
cidade. Com isso, a saudade tornou-se uma constante em minha vida – convivo com
ela diariamente, tive que aprender a domá-la. Saudade de pessoas, de lugares,
de tempos que não voltam. Mas a metamorfose continua, e que assim seja até meu
último suspiro. Vieram novas pessoas, novos lugares; são novos tempos. Cada dia
parece uma verdadeira revolução, a anunciação do novo e do inusitado. Tornei-me
cada vez mais pleno, uno. Desnudo minh'alma sem maiores receios, adquirindo a
transparência dos rios virgens. Todavia, me é típica a imprevisibilidade
involuntária, por vezes surpreendendo-me com meus próprios posicionamentos.
Nada temo, nem mesmo a morte;
concebo-a enquanto evento futuro e inevitável do ciclo da vida, não mais que
isso. Às vezes me assusta mais a ideia de envelhecer do que a de ser mortal.
Mas folgo em saber que posso carregar a essência de jovem enquanto desejar,
mesmo num corpo marcado pela ação implacável do tempo.
Não cultivo maus sentimentos;
acredito que eles nos envenenam de dentro para fora e comprometem a vitalidade
de todo o meio ao redor. Abomino injustiças, contra mim ou contra qualquer
inocente. Se eu for injusto ocasionalmente, o serei apenas até perceber o
equívoco. E não tenho qualquer problema em me retratar a altura, não me sinto
humilhado por isso. O mesmo vale para opiniões pessoais: coloco-me à disposição
para todo tipo de diálogo e não me porto de maneira intransigente – sei recuar
e reconhecer devidamente um posicionamento mais preciso.
Possuo defeitos, como qualquer
outro. Guiado pela minha intuição, que falha com pouca frequência, às vezes
sinto antipatia à primeira vista por outrem. Porém, não me fecho ao ponto de evitar
maiores aproximações, permitindo que as impressões negativas sejam afastadas
com o tempo. Ouvi reiteradas vezes e de fontes diversas que tenho um tirano
dentro de mim. De fato, a voz da minha consciência já se fez ecoar
ensurdecedora, e por vezes ainda me assombra. Fazia de tudo para estar sempre
com o controle das mais diversas situações, não admitindo qualquer falha. Ao
longo destes anos, notei que até as falhas são cruciais para a ampliação da
nossa bagagem de experiências. E eu falhei, falho e falharei.
Aprendi, também, que o
arrependimento não compensa. Digo sempre que é melhor viver errando (e natural,
inclusive) do que deixar de viver. Deve-se, porém, retirar de cada erro o máximo
de aprendizado para aprimoramento pessoal e prevenção de novas falhas. Tropeçar
é comum quando se caminha e o mais importante é não ficar parado: é seguir, e
em frente.
Adquiri, não sei a partir de
quando, uma sensatez que eu mesmo admiro... para algumas coisas. Para outras,
ainda há muito o que aprender, e estou disposto a isso. Imaturidade me cansa; é
um dos fatores, ao lado da falta de personalidade (típica de quem rege a vida
com as frases clichês que o senso comum consolidou, acreditando que existem
fórmulas prontas para se conduzir relacionamentos, por exemplo) que esgotam
minha paciência com mais facilidade e quebram qualquer encantamento. Grandes
feitos milimetricamente calculados nem sempre me impressionam; atento-me ao que
se esconde nos gestos mais sutis, nas expressões corporais e faciais mais simples
e descontraídas. E é assim que tenho conduzido minha vida: com naturalidade. Foi
assim que fiz amizades sinceras, pelas quais lutaria até os limites das minhas
forças, se necessário.
Já que o futuro é incerto, é
imperativo viver intensamente o presente, degustando as experiências segundo a
segundo. E acreditem: tudo o que foi aqui exposto constitui mera análise
pessoal superficial. Jamais me decodificaria em palavras, nem os mais sábios
filósofos foram capazes disso. Que outras das minhas nuances se mostrem aos
poucos àqueles que me fizerem sincera e agradável companhia. Estarei sempre de
braços abertos a quem se aproximar com boas intenções.