quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Para Uma Obra de Arte Cujos Traços Ainda Serão Definidos Pela Vida




Qualquer cartomante charlatã
Nas linhas da minha mão logo lê
Que qualquer tentativa de fuga é vã
Porque meu destino certo é você


    



      E te contemplarei extasiado, minha caríssima obra de arte perfeita, representação impecável do pecado proibido que nossas vontades nos permitem. Nesse eterno instante, os mais singelos e cristalinos versos brotarão em minha mente, atravessarão todo o meu ego e sairão afinadamente cantados por minha boca, sempre ansiosa pelo teu sabor, pela tua doçura.
      Ainda que eu não conheça teu nome, teus traços, sei que haverá reciprocidade. Irás me admirar da mesma maneira, cuidarás de mim como tua mais valiosa obra. Enquanto pintura, ficarás alegrando minhas paredes, mas livre – sem molduras. Enquanto escultura, serás cuidadosamente colocada sobre o mais alto pedestal e polida com freqüência. Não importa que te considerem mero rabisco, uma obra fracassada. Estarei convencido do contrário, enxergarei muito além.
      Quanto ao nosso contato, será verbalmente indescritível. Nada haverá a ser dito; tudo e de tudo será sentido. Corpos nus, almas despidas. O simples atrito dos nossos corpos nos momentos de intimidade gerará fagulhas de infinito prazer e plena satisfação. Porque quando meu desejo é indomável, entrego-me de corpo e alma. Foi sempre assim. Fui sempre assim.
      Que o meu corpo, portanto, se faça farto banquete capaz de saciar todos os teus instintos. E que a minha alma se faça lago profundo para o teu mergulho interminável, no qual meu carinho será o ar que te salvará do afogamento.

domingo, 20 de janeiro de 2013

O Que Não Cabe em Palavras





Ando diferente por dentro, estranho
Não sei ao certo o que me deixa assim
Deve ser o amor recolhido, suponho
Só sei que já não caibo mais em mim...





     Não tenho certeza se é o que chamam de amor; se tem nome, não sei qual é. Só sei que é capaz de me levar do inferno ao paraíso em frações de segundo, e vice-versa. Já provei do doce sabor do encanto gratuito e do amargo das frustrações; fico trêmulo sobre uma corda bamba, me arrepio diante da possibilidade de cair; ainda assim, insisto em me equilibrar nessa situação, porque se trata de um risco constante que me faz feliz. Pura contradição, pura convicção; pura plenitude de ser e sentir. Penso e sinto, logo existo.






sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Bem me Quer, Mal me Quer

"Exige muito de ti e espera pouco dos outros.
Assim, evitarás muitos aborrecimentos."
                                                                 - Confúcio


  




      Depois de um bom tempo de conversa, eu comecei a acreditar que quando finalmente chegasse o momento do nosso tão aguardado encontro eu descobriria uma flor no meio do deserto. No meio de um verdadeiro deserto, onde cada grão de areia equivale a uma pessoa superficial, desinteressante, sem conteúdo e sem caráter. Mas eu vi que ainda teria uma flor ali e me alegrei, porque a flor estava, aparentemente, pronta pra ser colhida.
      Mas não foi bem o que aconteceu quando finalmente me aproximei dela. Ao me abaixar para pegá-la, um vento muito forte veio e a levou para longe. Tão longe que eu ainda insisti em procurá-la, mas não mais a encontrei. E até pareceu que ela queria ser levada, que queria se esconder de mim! A impressão que eu tinha é de que ela estaria bem fixa, mas, para minha frustração, não ofereceu resistência alguma à força do vento: quis voar, quis conhecer o horizonte. Mas a culpa nem foi dela, isso eu entendi  - alguém antes de mim ficou tanto tempo tendo contato direto com ela que acabou por cortar a haste que a prendia ao solo, deixando-a disponível para a ação do vento.
     Talvez também no fundo não se tratasse de uma verdadeira flor. Não do jeito que eu pressuponho ser uma flor, pelo menos. Talvez fosse apenas uma miragem que minha mente imaginou no meio do tal deserto.
      E nem uma única pétala sequer restou pra mim. Deixei o cestinho que tinha preparado para ela cair ao chão diante da inevitável frustração.
Agora só me resta esperar que alguém com boas intenções me enxergue da mesma maneira: como uma dádiva no meio desse deserto. E que nenhum vento me leve para longe, porque não é isto que eu quero no momento.
     Quero me oferecer por inteiro a quem com todo o carinho me remover desse deserto seco e severo. Espero também que a flor encontre a felicidade e um significado no final das suas andanças.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Da Dinâmica da Vida: Chegadas e Partidas

"Entre o cais de partida e o de chegada
deste mistério a que chamamos vida,
olhando em volta não se vê mais nada
que o nevoeiro da despedida.
Mal se nasce, inicia-se a contagem
do que temos de deixar
ao longo da viagem.
São contas de sumir, não de somar,
mais de perder do que de achar.
Mas não se tira vantagem
do que lançamos ao mar
e para se ser livre e ser inteiro
importa ousar romper o nevoeiro."
                                                    - Torquato da Luz





     Pessoas vêm e vão. E essa é, a meu ver, uma das coisas que tornam a vida ainda mais caprichosa, imprevisível e repleta de ironias: a instabilidade das relações humanas. O que hoje é, amanhã talvez não será. Quem hoje te faz companhia, amanhã talvez evitará sua presença.
      Se quiserem partir, não se aborreça, não comprometa sua juventude e sua sanidade. “Quando um não quer, dois não brigam”, dizem por aí – e eu corroboro! Repito a primeira frase, agora invertida, pra mudar o sentido da afirmação: pessoas vão e vêm. Uns se distanciam, mas outros se aproximam e chegam para ficar. É assim desde o início dos tempos.  
     Se quiserem vir para somar, se quiserem compartilhar bons momentos, devemos estar de braços abertos para proporcionar uma calorosa recepção. Se quiserem ir, “a porta da rua é serventia da casa”. E que aproveitemos até as partidas mais abruptas e insensatas para amadurecimento próprio – porque aprendemos desde cedo que o melhor a se fazer com o lixo é reciclá-lo, e isso deve ser aplicado de modo análogo a algumas das nossas relações pessoais.
     A cada partida, um vazio capaz de fazer qualquer flor murchar. A cada chegada, a esperança que desabrocha as mais vistosas corolas.