sábado, 16 de março de 2013

Em Nome da Verdadeira Inteligência



"O conhecimento torna a alma jovem e diminui a amargura da velhice. Colhe, pois, a sabedoria. Armazena suavidade para o amanhã."
                                                     - Leonardo da Vinci



     “Gente burra tem que morrer pastando”.  Essa é mais uma das clássicas frases repetidas pelo senso comum, que me proponho a analisar agora. Tal pensamento é forte, impactante, mas válido a partir do momento em que não seja considerado “burro” aquele que tenta aprender e não consegue, aquele que por mais que se esforce tenha dificuldades em assimilar o que a ele é proposto, seja qual for o motivo. Até porque o verbo “aprender” é, talvez, o mais transitivo de todos. Sempre há algo a ser aprendido através do outro, através da vida.       
      

     “Burro” para mim, ainda que se trate de um termo inadequado para se referir a seres humanos, se aproxima mais do perfil daquele que se recusa a aprender com fatores externos, do ignorante - no sentido literal da palavra -, de quem acha que já sabe o suficiente e não quer enxergar o que está diante dos seus olhos. Pessoas com pouca ou nenhuma escolaridade podem possuir doutorado na grande Escola da Vida, lidando com muito mais facilidade e eficiência com situações delicadas e complicadas do cotidiano do que os possuidores dos diplomas mais cobiçados das faculdades de renome de todo o mundo. Títulos como estes garantem um conhecimento considerável em determinada área, mas não são pressupostos de mentes brilhantes.

      Se há fatores capazes de “emburrecer” as pessoas, dentre eles destacam-se, indubitavelmente, o fanatismo, o preconceito e o egocentrismo.
É por causa deles, principalmente, que as pessoas colocam suas preferências, concepções, ideologias, sentimentos e experiências em primeiro plano, menosprezando ou desconsiderando as peculiaridades do outro. Rendendo-se a qualquer um deles, você se fecha diante do novo, do desconhecido, de tudo o que ameaça a sua medíocre zona de conforto – torna-se um perfeito ignorante. E é principalmente com o outro que mais se aprende, que se amadurece e se abre a mente, através da observação e da compreensão de características da sua distinta identidade, do diálogo, da percepção do mundo ao redor, da troca de experiências. Nosso cérebro parece ser detentor de certa elasticidade, pode ter suas dimensões consideravelmente ampliadas; a inteligência é uma joia da qual dispomos, que sempre pode ser lapidada. Livrar-se desses três grilhões, símbolos do retrocesso (ressalto: todo tipo de fanatismo, preconceito e o egocentrismo), pode ser um bom começo.

      “Burros” também são os medíocres, os conformados.
Aí provavelmente alguém pense: “mas, se é assim, todo mundo é burro”!
Talvez. Talvez todo mundo é um pouco, mesmo. Eu, inclusive, me considero “burro” sob certos aspectos. E quem sabe reconhecer isso não seja mais um dos passos para se livrar ou, pelo menos, para minimizar a tal “burrice”? Ninguém detém todo o conhecimento do mundo, sempre há algo a ser aprendido; basta você querer, estar receptivo a tudo o que fugir do domínio do seu saber.




segunda-feira, 11 de março de 2013

Ordem e Progresso... Como?


“O mundo é um lugar perigoso para se viver, não exatamente por causa das pessoas que são más, mas por causa das pessoas que não fazem nada quanto a isso.”
                                                                                                             -Albert Einstein





   















     Nada de devaneios, o assunto agora é sério. Ainda que tardiamente, gostaria de deixar registrada minha indignação com a eleição do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Não é necessário muito esforço para que se perceba a incoerência e a gravidade da eleição do Pastor Feliciano a um cargo tão importante.
      Uma rápida busca na internet proporciona inúmeras informações mais detalhadas acerca da conduta questionável e repugnante do Pastor, tais como declarações racistas e homofóbicas, sustentando que os africanos descendem de um ancestral amaldiçoado de Noé e que a AIDS é o “câncer gay”. Tudo isso veiculado em redes sociais (o que é mais preocupante, tendo em vista o alcance e a repercussão de tamanhos absurdos) e em suas pregações (ou discursos que marginalizam e propagam o ódio, sendo mais preciso).
      Feliciano ainda protagoniza um vídeo perturbador e revoltante no qual recebe contribuições dos fiéis, dentre eles um cadeirante, e ainda profere as seguintes palavras: “é a última vez que eu falo. Samuel de Souza doou o cartão, mas não doou a senha. Aí não vale. Depois vai pedir o milagre pra Deus e Deus não vai dar e vai falar que Deus é ruim”. Somado a tudo isso, o Pastor é acusado em um inquérito e figura como réu em um processo no STF, respondendo por homofobia e estelionato respectivamente (isso mesmo, estelionato, o famoso “171”, em referência clara ao respectivo artigo do Código Penal). Provavelmente você já ouviu falar desses fatos. E se não está convicto, caro leitor, sugiro mais uma vez uma rápida busca na internet utilizando o nome do Pastor e garanto que obterá como retorno material suficiente para fazer com que qualquer um perca o sono. Informe-se, abra os olhos enquanto há tempo!
     
É importante ressaltar que a Câmara dos Deputados é a Casa legislativa que reúne os representantes do povo brasileiro. E a formação da população do nosso país é inegável e majoritariamente negra. Não lhes soa incoerente que o indivíduo eleito para a cadeira supracitada na Câmara de um país cuja população é tão miscigenada se dedique a macular e a denegrir publicamente a imagem de negros e homossexuais, em vez de lutar contra as injustiças das quais estes são vítimas e de defender seus direitos básicos enquanto seres humanos? É isso que se esperaria de um presidente de uma Comissão tão importante, mas é justamente o contrário disso que se pode esperar de Feliciano. Porque ele próprio já deixou claros os seus posicionamentos descabidos. Eu digo sem receio de ser injusto que o Pastor não me representa, que ele não representa quem quer que seja; mais do que isso, o que salta aos olhos de quem não se rende à alienação é que ele está lá para representar seus próprios interesses.
       Alguns evangélicos da sua própria seita, inclusive, que não se cegaram pelo fanatismo, manifestaram-se de forma contrária à sua eleição. Basta assistir ao vídeo já mencionado, no qual Feliciano recebe contribuições financeiras dos fiéis, para se deparar com uma figura que se aproveita da fé e da ingenuidade de pessoas mais humildes e bem intencionadas. Não estou inventando fatos, você que me lê pode comprová-los a qualquer momento com um pouco de boa vontade e sensatez.
      A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva defende em seu livro “Mentes Perigosas”, que retrata as diversas nuances da psicopatia, que “muito mais que apelar para o nosso sentimento de medo, os psicopatas, de forma extremamente perversa, apelam para a nossa capacidade de sermos solidários. Eles se utilizam de nossos sentimentos mais nobres para nos dominar e controlar. Os psicopatas se alimentam e se tornam poderosos quando conseguem nos despertar piedade”. Além disso, dentre os psicopatas típicos, ela destaca em sua obra os políticos corruptos e alguns líderes religiosos, por exemplo, enquanto indivíduos que se aproveitam da boa-fé alheia. É notório que alguns desses líderes chegam ao cúmulo de aceitar que seus seguidores doem tudo o que possuem como gesto de caridade sem, contudo, tirar um centavo do próprio bolso em prol dos mais necessitados.
      O senso comum associa a imagem do psicopata à de um homicida, mas poucos chegam ao extremo de cometer tal crime; a minoria deles suja as mãos de sangue, mas todos, sem exceção, são exploradores e convincentes em seus discursos. Não quero e não posso afirmar que Marco Feliciano é um psicopata, posto que tal diagnóstico é difícil de ser confirmado até mesmo para os profissionais competentes, mais ainda para leigos como eu. Defendo, todavia, que a conduta do Pastor apresenta, sim, traços evidentemente psicopáticos. Manipulador, influente, aproveitador – tudo isso é alarmante, inaceitável e incompatível com alguém que represente de maneira justa e digna o tão plural povo brasileiro.
      Não se trata de uma eleição que repercuta negativamente apenas para os negros e os homossexuais, mas que deveria, em vez disso, gerar um incômodo a todos os que têm bom senso e que, independentemente de sua religião, sejam contra preconceitos e injustiças, reconhecendo o outro enquanto pessoa dotada de direitos fundamentais, digna de ser tratada com respeito e igualdade, seja qual for a cor da sua pele ou a sua sexualidade, sua forma de amar. É clichê o que vou dizer, mas nada disso mancha a reputação ou enfraquece o caráter de um indivíduo, ao contrário das atitudes abomináveis do referido Pastor, que passam um recibo podre de sua verdadeira imagem.
      Tenho notado, para minha grata surpresa, que a internet ainda se mostra uma ferramenta muito útil para a mobilização das pessoas, que, salvas lamentáveis exceções, estão cada vez mais cientes de seus direitos e têm uma capacidade de discernimento suficiente para escapar dos grilhões escravizadores da alienação e para assinar petições online, realizar campanhas em combate ferrenho a todos esses recentes absurdos e até mesmo para se arriscarem e ir às ruas em manifestações que merecem ser aplaudidas de pé.   
     A eleição de Feliciano é um sapo venenoso demais para se engolir de braços cruzados. Do Oiapoque ao Chuí, inúmeras pessoas manifestam sua revolta, se posicionam, dão a cara a tapa, como faço agora. E acho que esse é o caminho. Espero sinceramente que tais gritos de indignação ecoem cada vez mais ensurdecedores pelo país e que façam ruir o castelo que o Pastor Marco Feliciano começou a construir às custas da boa-fé alheia.

terça-feira, 5 de março de 2013

Adoçando a Vida




"As pessoas não se precisam, elas se completam… não por serem metades,
mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.

Com o tempo (...) Você aprende a gostar de você, a cuidar de você,
e principalmente a gostar de quem gosta de você."
                                                                                    -Mário Quintana




      Gostar de alguém não significa aceitar tudo em nome de um sentimento, fazer vista grossa para o que o outro faz de errado. Isso é ser fraco, conivente e até mesmo cúmplice; é permitir que o erro se torne algo aceitável e contribuir para a formação de indivíduos inescrupulosos que mais cedo ou mais tarde serão punidos. E é menos doloroso ser repreendido por alguém bem intencionado do que ser punido pela mão pesada da vida, sempre implacável ao aplicar seus castigos. O ideal é apontar o erro em particular, com calma e boa vontade, e incentivar aquele que errou a assumir as consequências do seu ato falho.
      O verbo “gostar” pode ser semanticamente muito mais rico, ir muito além. Implica em saber a hora correta de dizer um sonoro NÃO. Também significa impor limites e dar broncas quando se fizer necessário. Gostar de si próprio e ter princípios invioláveis são requisitos básicos para que se goste de alguém de maneira saudável.
      Gostar (mas gostar pra valer, de maneira autêntica e até mesmo inconsequente) sobretudo, é querer estar junto, mesmo e principalmente naquelas situações mais tensas e incômodas, procurando soluções conjuntas para as adversidades que se apresentam ao longo da jornada em comum. E ressalto que não há obstáculo invencível para aqueles que se gostam de verdade.
      Gostar é estender a mão a quem está prestes a despencar de um abismo, mesmo sabendo que essa pessoa pode te puxar involuntariamente para a queda fatal; quando se gosta pra valer, o receio de cair se torna insignificante se comparado ao desejo instintivo de salvar o ente querido, de garantir o seu bem-estar. E sob o ponto de vista de quem está pendurado, o simples fato de gostar poderia levá-lo a soltar a mão que o puxa, aceitando a própria morte e evitando arriscar a vida do outro.  
     Gostar, além de tudo, é almejar a felicidade alheia com a mesma intensidade que se almeja ser feliz, ainda que mediante a separação dos corpos e os rumos consequentemente distintos de um e de outro. Não existe meio-termo: quem gosta demonstra, não tem vergonha, engole o próprio orgulho, cuida e vai à luta em nome do seu sentimento, com unhas e dentes.
      Gostar é deixar de comer para garantir o sustento do outro; é ceder seu casaco em um dia frio a quem for objeto dos seus sentimentos e conter a vontade de tremer, dizendo que está tudo bem.
Mas já basta. Tudo o que foi exposto é pouco. Gostar é, por fim e seguramente, um dos privilégios que nos permitem por vezes a sensação de transcender esta existência mundana, e desejo a todos os atenciosos leitores a oportunidade ímpar de se deleitar com ele.